terça-feira, 2 de novembro de 2010

Cinema Português: Um bebé amputado

Falar do nosso Cinema é uma coisa complicada. Em primeiro lugar, porque ele, o cinema português, raramente se pode sentir como tal, português. Português como algo construído a partir de uma comunidade artística unida, um núcleo de cineastas, portugueses claro, que se entendam e que criem. Por outro lado, Português como algo que passe realmente nos cinemas de Portugal. Português como algo que esteja no dia-a-dia dos seus supostos compatriotas, os portugueses. Para salvar o cinema português é preciso, não só financiamentos, infra-estruturas, maior industrialização, mas principalmente, que se queira ver cinema português.

Actualmente, o Cinema em Portugal vive em condições caricatas. Não só no que toca à sua distribuição internacional, mas principalmente no que toca à sua produção e posterior distribuição. A comunidade cinematográfica em Portugal vive uma verdadeira guerra civil, existindo várias divergências entre realizadores, produtores, distribuidores e governo. E as consequências dessa desordem são visíveis, desde as incongruências legislativas e regulamentares até à falta de diversidade de financiamento, passando pela necessidade de uma maior promoção do cinema português. Uma das causas mais aparentes para este caos artístico, ou melhor, para esta carência artística, poderá ser a censura.

O Cinema cresceu em Portugal com a sombra da censura, sendo limitado logo à nascença. Essa é a imagem que surge no cinema pré-25 de Abril. O cinema português sem entraves e sem coarctações propriamente dito só se começa a formar a partir do 25 de Abril. É interessante compararmos a nossa história com a de países fortemente produtores de cinema nacional no resto da Europa, como é o caso da Inglaterra e a França. A sua história proporcionou, principalmente no caso da Inglaterra, grande liberdade para o cinema florir. Em Portugal essa realidade surge tardiamente. O gosto geral pelo cinema português fica, assim, aquém do cinema estrangeiro, não por este ter menos qualidade, mas por ter sido pouco fomentada a criação e a tradição cinematográfica durante a ditadura, o que é agora um ciclo vicioso.
No caso dos distribuidores, pouco diferença notamos. A liberalização pós 25 de Abril veio-lhes dar completa liberdade para trazer os filmes que foram proibidos durante o Estado Novo. Essa liberdade fez com estes investissem, não no cinema português que só naquele momento se estava a formar, mas sim no cinema estrangeiro. Um cinema que dava maior segurança aos investimentos desses mesmos distribuidores. Este espírito de investimento tornou-se uma verdadeira bola de neve e surgiu, nos nossos dias, quase intacto. O cinema português é pouco promovido e pouco distribuído pelas entidades privadas de distribuição, que preferem o que vem lá de fora.

Mas as consequências não se ficam por aqui. A comunidade cinematográfica (produtores, realizadores, distribuidores) vive em guerra acesa. Isto reflecte-se principalmente no que toca à criação de regulamentos do ICA (Instituto do Cinema e Audio-Visual) em relação ao financiamento para produção e para a distribuição. A quantidade, a forma e a diversidade de financiamento (como o projecto de financiamento FICA), os critérios de financiamento e a promoção do cinema português geram actualmente bastantes discordâncias. Estas desordens são, mais uma vez, a consequência de décadas e décadas de cinema português sem essência e unificação, ou seja, sem tradição. As gerações sucessivas de cineastas tendem a ter dificuldade a se aglomerar e a se unir, pois nunca existiu tal união da comunidade cinematográfica no nosso país.
Esta é a realidade.

Mas a censura já lá vai. E não nos podemos desculpar com o dogma da censura. A fraca industrialização do cinema português não pode ser considerada como um ciclo vicioso irreversível. A iniciativa financeira, por si só, também não poderá restringir-se ao financiamento do estado. E a desordem que se vive dentro da comunidade cineasta, se é que podemos chamar-lhe como tal, tem que se apaziguar. Só a comunicação levará a um bom sistema, tanto de formação, como de produção de cinema.
Há que incentivar o cinema português. Há que o tornar maior. Mas para isso, para se realizar todos os pontos que enunciei acima, falta-nos o principal. Encarar o cinema português como um produto nacional. Ir ver cinema português e respeita-lo como um cinema de qualidade que é nosso. Há que se ver e falar do Cinema Português.


Francisco Noras
(Autor convidado)

Sem comentários:

Enviar um comentário